Preservar a biodiversidade é proteger todas as formas de vida

por André Candreva publicado 26/03/2018 15h37, última modificação 26/03/2018 15h37

Preservar a biodiversidade é proteger todas as formas de vida

Os setores madeireiro, pecuária e de cultivo da soja operados, em sua maioria ilegalmente, são os principais responsáveis pelo desmatamento, no Brasil. No Ano Internacional da Biodiversidade, de acordo com declaração, elaborada durante Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), esta situação coloca o país como líder mundial em desmatamento, seguido por Indonésia e Austrália, apesar da redução da área desmatada, em 20 anos - segundo dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), anunciados em março deste ano. O grande volume de desmatamento, aliado a fatores causados pela expansão urbana, as atividades agrícolas, os altos índices de poluição e a recorrência de incêndios geram consequências diretamente proporcionais à extinção e degradação dos ambientes naturais, a redução do habitat e o aumento do risco de extinção das espécies da fauna e flora brasileira.

Dono da maior riqueza biológica do mundo, recai sobre o Brasil a responsabilidade com a proteção e preservação das formas de vida encontradas no seu território, que compõem a rica biodiversidade nacional, hoje reconhecida como o alicerce para o desenvolvimento humano sustentável, nos âmbitos social, econômico e ambiental. Em território brasileiro o investimento na proteção da biodiversidade implica por exemplo, em manter o ar e a água limpos e puros, redução de desastres naturais, descoberta de novos medicamentos e produção de alimentos suficientes. Esses e outros componentes representam um leque extenso de oportunidades de geração de riquezas, nas áreas da pesquisa e conhecimento, passando pelo desenvolvimento de novas tecnologias inclusivas e influência nas políticas públicas universais, para o estabelecimento de um ambiente de prosperidade igualitário e de melhoria da qualidade de vida de todos.

Segundo o Fundo Mundial para a Natureza (WWF Brasil), em 2009, a humanidade usou 40% a mais de recursos do que a natureza é capaz de regenerar em um ano, e revela que a continuidade da perda maciça da biodiversidade está nos aproximando cada vez mais, de diversos "pontos de colapso", em que os ecossistemas entrarão em estados menos produtivos, entre os quais, a impossibilidade de sua recuperação. Muito desse descompasso se deve ao não cumprimento, por parte dos governos mundiais, da promessa que assumiram em 2002, junto à Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), de redução do índice de perda da biodiversidade até este ano, definido pela ONU como o Ano Internacional da Biodiversidade.

INSTITUIÇÕES DE MINAS SE UNEM E PROTEGEM BIOMA
Em Minas Gerais, algumas instituições de diferentes setores, já se uniram na tentativa de preservar e resgatar o que ainda resta de um dos principais biomas - conjunto de diferentes ecossistemas - a Mata Atlântica. Responsável por abrigar grande parte da diversidade natural do país, cerca de duas mil espécies de animais e 20 mil da fauna, o estado de Minas Gerais apresenta um dos índices de desflorestamento da Mata Atlântica, mais altos do país. O Estado perdeu 12.524 hectares, de um total de 20.867 suprimidos de mata nativa, dentre os nove estados brasileiros que abrigam o bioma (Goiás, Espírito Santo, Minas Gerais, Mato Grosso, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo), entre 2008-2010. Os dados foram divulgados pela Fundação SOS Mata Atlântica e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), no documento "Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica".

Dentre os animais ameaçados de extinção, encontrados neste bioma, está o muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus), o maior primata das américas, espécie presente na lista dos 25 primatas mais ameaçados do mundo. E é na região da Zona da Mata mineira que a ONG Conservação Internacional (CI) implanta, ainda em formato piloto, o projeto Muriqui de Carbono Florestal, que promove a restauração florestal, com o engajamento de proprietários rurais da região da bacia do rio Manhuaçu, uma área tradicionalmente produtora de café e leite. Com o projeto, realizado em parceria com o Citi Foudantion, braço social do banco homônimo e a ONG local Preserve-Muriqui, os proprietários rurais serão estimulados a regularizar suas terras, de acordo com a legislação ambiental, para implementar um corredor ecológico e garantir o bem-estar da sociedade. De acordo com o gerente Técnico do Programa Mata Atlântica da Conservação Internacional, Lucio Bedê, ninguém melhor que os proprietários rurais para compreenderem a importância das florestas. "O projeto Muriqui de Carbono Florestal foi pensado para fazer frente a essa missão, utilizando o mercado de carbono para mostrar que, ao restaurar, o proprietário presta um importante serviço para o planeta no plantio de árvores que retiram o carbono da atmosfera, responsável por grande parte do aquecimento global", afirma Bedê.

Os proprietários dos municípios mineiros de Ipanema, Caratinga e Simonésia estão passando pela fase de adesão, para posteriormente promoverem a restauração de 600 hectares de um total de 60 mil, em um prazo de três anos. "É um pedacinho pequeno diante da necessidade, mas sua importância se revela na inauguração de um novo modelo de práticas, na perspectiva de estabelecer um sistema de Pagamento por Serviços Ambientais aos pequenos produtoresque aderirem ao projeto, atuarem na restauração de florestas, na conservação da espécie do muriqui, na proteção dos recursos hídricos e na geração dos benefícios climáticos", finaliza Bedê. As atividades do Muriqui de Carbono Florestal têm previsão para início em 2011.

Além dos muros da universidade,
projeto atua por um novo “Velhas”

Frente ao atual contexto de priorização de políticas, em âmbito global, de expansão do sistema econômico, ainda distante de considerar a premissa da proteção e preservação dos recursos naturais, sob justificativas como, frear o crescimento econômico e de exigir investimentos altos, com retorno a longo prazo, em Minas, organizações não-governamentais (ONGs) se mobilizam para amenizar alguns dos fatores negativos, diretamente ligados às ações e planos voltados para o crescimento econômico, em detrimento das políticas públicas universais rumo ao desenvolvimento socioambiental sustentado. As ações engendradas, focam na centralização dos esforços na conservação da biodiversidade, cada vez mais urgente e necessária.
Um exemplo de protagonismo social já iniciado sob a vertente da preocupação com a necessidade da mudança de paradigmas na sociedade é o Projeto Manuelzão. Fundado por professores do curso de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1990, ultrapassou os muros da universidade e desde 2007, passou a integrar o grupo dos projetos estruturadores do Governo de Minas Gerais, ocupando um espaço entre as outras 50 ações prioritárias para o Estado mineiro. “Diante do quadro de falência das instituições políticas e partidárias, que mostrava a inexistência de atores preocupados com o Rio das Velhas, propusemos trazer o peixe de volta, questionando os modelos de crescimento e civilizatório, que o deixaram virar esgoto, para alavancar a produção de mercadorias, a exportação de minério, fábricação de automóveis e a expansão imobiliária”, afirma um dos fundadores, o professor Apolo Heringer.

Para consolidar a proposta de trazer o “peixe de volta”, foi estabelecida a Meta 2010 que propõe reenquadrar o trecho do Velhas, que passa pela Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), entre os municípios de Itabirito e Jequitibá, em classe II. Essa classificação é a de águas destinadas ao abastecimento doméstico, após tratamento convencional; a atividades de lazer (natação, esqui aquático, pesca e mergulho); à irrigação de hortaliças e plantas frutíferas. Os recentes resultados divulgados apontam para cerca de 60% das ações da meta cumpridas e ainda, para a prorrogação da sua conclusão para 2014. Para Apolo, o resultado atual é motivo de comemoração, porque a volta dos peixes, que hoje já pode ser identificada ao longo de 580 quilômetros, de um total de quase 800, é um dos principais indicativos da melhoria da qualidade das águas.


Parceria impulsiona recuperação das águas

O sucesso da meta se deve a uma metodologia empregada, prevendo a realização de expedições de navegadores e fomentando a articulação com os governos municipais da bacia, em torno de um Plano Diretor, documento que reune diagnósticos e propostas para revitalização das águas. O Plano do Velhas foi aprovado pelo Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH-Velhas), e prevê a organização de um grupo de trabalho, incluindo a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), secretarias de Estado, ONGs, comunidades e empresas. Com as parcerias, foi possível realizar a construção das Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs), na RMBH, principalmente nos ribeirões do Onça e do Arrudas, que também impulsionaram positivamente os resultados.

No primeiro trajeto, realizado em 2003, a equipe descia o rio para fazer o diagnóstico da região, identificar os principais focos de degradação e as ações que poderiam possibilitar a melhoria. O ambientalista e mobilizador social, Rafael Bernardes, participou da primeira navegação e retornou ao Rio das Velhas na última expedição, em 2009. “A primeira expedição, formada por três navegadores e uma equipe em terra de cerca de 50 pessoas, foi concluída em 28 dias. A partir da primeira visita, percebemos que muito da sujeira vinha dos cinco afluentes.
Então a proposta se estendeu para a bacia, de ponta a ponta, que contemplava outros rios adjacentes como o Taquaraçu, Jaboticatubas, Ribeirão da Mata e Paraúna”, revela. Outras questões, como o lixo, o assoreamento e a recuperação da mata ciliar, ainda não apresentam sinais de grandes avanços. A última expedição revelou que três municípios ainda não alcançaram resultados positivos, em relação a 2003. Sete Lagoas e Sabará, por ainda despejarem esgoto sem tratamento nos rios, e Nova Lima, devido ao lixão, que mesmo desativado ainda polui o Velhas.

A prefeitura de Nova Lima esclarece que não recebeu nenhuma comunicação oficial a respeito do novo relatório do Projeto Manuelzão, mas informa que, a fim de solucionar a situação do lixão, tem cumprido rigorosamente todas as exigências estabelecidas pelo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), assinado com a Fundação Estadual de Meio Ambiente, em abril de 2010. A prefeitura de Sete Lagoas informa que o município encontra-se em fase de elaboração do Plano Municipal de Saneamento e que uma comitiva do município visitou um sistema de tratamento de esgoto sustentável na cidade de Madri, na Espanha, e negocia a possibilidade de implementação dessa tecnologia. A prefeitura de Sabará também foi procurada, mas não respondeu à nossa reportagem.

 

Fonte: Hoje em Dia.