Poesia em nova linha de ônibus urbanos de Belo Horizonte

por André Candreva publicado 26/03/2018 15h44, última modificação 26/03/2018 15h44

O desconforto dos ônibus urbanos de Belo Horizonte, sempre lotados, pode até ser amenizado com a possibilidade de leitura de obras de grandes autores da literatura nacional. Vencedor do Prêmio Viva Leitura 2007, o projeto “Leitura para Todos” será estendido, no próximo mês, a coletivos da linha Centro-Cidade Administrativa. Os envelopes com os poemas impressos são presos às cadeiras por alças, o que possibilita ao leitor seu manuseio sem retirá-los do veículo. Em cada ônibus, são colocadas 20 lâminas, com dois textos cada.

Outra novidade, revela a coordenadora do projeto, a professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Maria Antonieta Pereira, é que os usuários das linhas que cobrem o Centro Administrativo poderão participar de um concurso público para ter textos próprios publicados nos ônibus.

“O projeto, que acontece desde 2003 na capital, tem como objetivo estimular a leitura pelos usuários das linhas de ônibus da cidade, para atingir especialmente o leitor que está fora do circuito escolar e não tem acesso a bibliotecas”, disse a professora.

Ela conta que os usuários do transporte coletivo tiveram resposta tão positiva diante dos textos que, após um período, eles começaram a enviar textos próprios que acabaram sendo publicados. “Intercalamos contos, crônicas, poesias e poemas de grandes autores brasileiros como Rubem Fonseca, Luiz Vilela, com obras de autores novos. Recebemos muitos textos do público, assim como elogios perante a ação o que mostra o sucesso do programa”, comemora a professora.

Textos podem ser lidos em dez minutos

O Leitura para Todos utiliza a parte posterior das cadeiras onde são afixados envelopes de plástico transparente contendo textos curtos (contos, crônicas, poemas, letras de música e trechos de romances), impressos frente e verso, no tamanho A4. Os textos são escritos em caracteres grandes para serem lidos por um leitor médio, no espaço de 10 a 15 minutos, num ônibus em movimento.

A cada dois meses é feita a troca dos poemas e manutenção do suporte. Atualmente, dos 2.800 coletivos que circulam na capital, cerca de 200 fazem parte do projeto. O sucesso do trabalho, que une UFMG e BHTrans, é tão grande que acabou tendo repercussão na Região Metropolitana e em municípios do interior do Estado. As cidades de Contagem, Betim, Campo Grande, Diamantina, Recife e São João del-Rei acabaram desenvolvendo projetos similares ao Leitura para Todos. “É uma maneira saudável e menos estressante de fazer a viagem”, disse Maria Antonieta. O vendedor Welbert Jesus Nascimento, 27 anos, que usa a mesma linha diariamente diz que procura se sentar em lugares diferentes a cada viagem para poder usufruir dos poemas.

"É ótimo para passar o tempo. Além disso, descubro escritores de que nunca tinha ouvido falar”, afirma. Na viagem desta quarta-feira (25), ele ficou maravilhado com o poema “A Pesca”, do belo-horizontino Afonso Romano de Santana. “Parece letra de música”, disse. A cozinheira Marta Heloísa Felipe, 50 anos, que mora no Bairro Renascença, chegou a decorar alguns poemas.

Vândalos não perdoam nem a literatura

Como acontece com outros patrimônios públicos, os poemas também sofrem com ações de vândalos, que não se intimidam em arrancá-los para levar para casa ou simplesmente jogar fora. Motorista da linha 9404 (São Lucas/ Nova Esperança) há três anos, Marcelo Augusto Silva conta que mais da metade dos poemas do coletivo que dirige já foi arrancada. “Os que têm educação gostam de ler, mas sempre aparece um para acabar com a distração alheia”, disse. Os poucos poemas que sobraram estão bastante manuseados e sujos, outros rasgados, o que deixa muitos passageiros indignados. “Dá até vontade de ler, mas de tão sujos chega a grudar nas mãos da gente”, reclama a diarista Maria de Fátima Silva, 45 anos, que usa dois coletivos por dia para o trabalho.