Pesquisadora resgata antigas fotografias de escravos

por André Candreva publicado 26/03/2018 16h08, última modificação 26/03/2018 16h08

São imagens impressionantes, cada uma a seu modo. Em uma delas, datada de 1899, uma criança branca está montada sobre a babá negra – criança e babá enfeitadas, endomingadas, com roupas de renda, insinuando através da brincadeira nada inocente o retrato de uma época. Em outra imagem, na verdade um cartão-postal datado de 1880, uma ama de leite negra traz outra criança branca, sorridente, amarrada às suas costas. Na maioria das fotos selecionadas, os personagens trazem aquela estranha melancolia que o tempo passado confere às faces e olhares de ilustres e anônimos.

A época em questão, pontuada de contrastes, era marcada pela divisão rigorosa da sociedade em duas categorias de pessoas: os senhores e seus escravos. Os primeiros, europeus em sua maioria, exerciam o poder com mão de ferro e não hesitavam em comprar, vender, subjugar, prender e reprimir o escravo ou o negro recém-libertado que ousasse contrariar suas vontades ou não se curvasse às suas exigências. O segundo grupo, nascido na África ou descendente direto de africanos, formava a parte mais numerosa da população no Brasil de nossos avós e seus pais, há pouco mais de 100 anos.

Esta sociedade dividida entre escravos e senhores havia sido retratada no exotismo da vida cotidiana nas décadas e séculos seguintes ao descobrimento pelas tintas e pinceis de artistas que integravam as várias missões de naturalistas. Depois das míticas missões, que rastreavam o território coletando e documentando espécies vegetais e animais e retratando em pinturas e desenhos o povo nativo e seus costumes tropicais, entrariam em cena outros artistas com novas técnicas e maquinarias, batizadas de fotografia.

Escravos e seus senhores foram registrados por nossos fotógrafos pioneiros – à maneira do que fizeram antes artistas como o alemão Rugendas (1802-1858) e o francês Debret (1768-1848), como aponta a pesquisadora Sandra Sofia Machado Koutsoukos, autora de “Negros no Estúdio Fotográfico”, preciosidade que está chegando às livrarias em lançamento da Editora Unicamp.

Graduada em Belas Artes pela UFRJ, mestre em Artes e doutora em Multimeios, Mídia e Comunicação pelo Instituto de Artes da Unicamp, com pós-doutorado apoiado pela Fapesp, Sandra Koutsoukos apresenta em seu livro-tese um extenso acervo, garimpado em diversas instituições pelos quatro cantos do Brasil. Seu livro surge como um estudo pioneiro, reunindo imagens que permaneciam inéditas sobre as representações de pessoas negras, livres, forras e escravas, produzidas em estúdios de fotografia, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo.

São três capítulos – “A fotografia no Brasil no século XIX”, “Entre liberdade e escravidão, na fotografia” e “Na casa de correção da corte, a Galeria dos Condenados” – que enumeram fotografias e estudos de fontes agrupadas em três categorias: na primeira, fotos de escravos domésticos que foram levados aos estúdios por seus senhores, os quais queriam aquelas fotos em seus álbuns de família; na segunda, fotos que foram exploradas na chave do “exótico” e vendidas como souvenir a estrangeiros; na terceira, fotos etnográficas, produzidas para servir de suporte a teorias racistas então em voga.

 

Fonte: Hoje em Dia.