Juventude negra em busca de reconhecimento

por André Candreva publicado 27/03/2018 10h55, última modificação 27/03/2018 10h55

Fonte: ALMG

 

"Eu cortei meu cabelo e achei que isso ia resolver todas as contradições da minha vida. Um mês depois, o cabelo cresceu de novo e gritou: você é negro", conta Aruanã Leone, de 21 anos. E "ser negro" significa, segundo ele, ser seguido por seguranças no shopping, ter suas crenças questionadas e viver com medo de ser a próxima vítima da violência urbana.

 

Processos históricos de discriminação, que remontam ao período escravocrata, fizeram com que essa enorme parcela da população fosse, ainda, relegada a posições sociais e econômicas desfavoráveis, de forma que esses brasileiros são maioria nas periferias e minoria nas universidades.

 

A terceira matéria da série especial que marca a Semana Estadual das Juventudes trata dos desafios e das lutas dos jovens negros. Instituída pela Lei 22.413, aprovada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) em 2016, a semana é comemorada pela primeira vez em 2017 e tem como objetivo estimular o debate sobre medidas de proteção de segmentos jovens específicos.

 

Questão de identidade

 

A primeira pergunta necessária é: quem são os negros e negras do Brasil? Ao longo de muitas décadas, a ancestralidade africana tem sido apagada do perfil populacional por meio de uma série de políticas públicas que confundem "raça" com "cor" e incluem categorias obscuras, como "pardos", na medição.

 

A luta do movimento negro, portanto, começa por valorizar os traços físicos e a cultura dos afrodescendentes e passa pela pressão por políticas afirmativas que criem as condições necessárias para o reconhecimento das desigualdades raciais e sua superação.

 

Em conjunto, os resultados dessa luta têm impactado na autoclassificação dessa população, que cada vez mais assume sua identidade. Tem sido atribuído a isso o aumento progressivo, desde a década de 1990, de pessoas que se reconhecem como "pretos" ou "pardos" no Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

 

No último recenseamento, de 2010, o percentual de "pardos" cresceu de 38,5% para 43,1% e o de "pretos" também subiu, de 6,2% para 7,6%, em relação ao Censo realizado dez anos antes. Os brancos? Diminuíram de 53,7% para 47,7% dos brasileiros.

 

Para muito além dos números, a luta pela valorização do que é negro se vê nas ruas, onde cada vez mais mulheres e homens assumem características como cabelos black e elementos da cultura africana, como turbantes.

 

"Essa mudança nasce do que eu chamo de ‘reencontro’ dos jovens negros", diz a cineasta social Natalie de Souza, de 22 anos. Para ela, as lutas das juventudes têm feito com que negros e negras se encontrem, se reconheçam e busquem referências (de cientistas a cantores) para se inspirarem.

 

Representação é palavra-chave. "Nós, mulheres negras, crescemos na solidão de não nos identificarmos no mundo", diz Natalie, que explica que grande parte da imagem feminina da sua raça passa pela sexualização do corpo. A "mulata do samba" é o mais clássico exemplo disso.

 

Natalie acredita que esse cenário está mudando, mas ainda há muito o que avançar. Se negros e negras já são mais retratados na televisão ou no cinema, por outro lado, os recrutados são aqueles com "traços mais finos". É o chamado colorismo, escala de cor e traços que faz com que certos perfis físicos sejam mais tolerados pela sociedade. "Mas é tolerado, não igualado aos brancos", salienta Natalie.