Escolas e organizações sociais usam o livro como instrumento de transformação

por André Candreva publicado 26/03/2018 17h36, última modificação 26/03/2018 17h36

Fonte: Estado de Minas

 

Curiosidade, sede de aprendizado, vontade de conhecer outros cenários, pessoas reais ou simplesmente personagens inventados. São muitos os motivos para se perder nas páginas de um livro. Não há regras. Das influências de alguém, propensão natural ou até mesmo de uma conversa podem surgir o gosto pela leitura e escrita. Nesse universo, importa apenas o encantamento pelas palavras. Elas sim, ditam as regras de um mundo cheio de facetas a serem descobertas. Disseminar e estimular esse hábito é desafio constante. Investir em projetos com esse objetivo tem sido a aposta de muitas empresas e organizações sociais para mudar a realidade do Brasil, onde a média de leitura é de 1,3 obra por ano, segundo levantamento de especialistas.



O frentista Samuel Paulo dos Santos, de 42 anos, nem imaginava que o novo trabalho lhe renderia muito além da experiência profissional e lhe permitiria levar adiante o gosto pela leitura. Há três meses trabalhando num posto de combustíveis na BR-356, no Bairro Santa Lúcia, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, aderiu logo ao movimento Livro para voar, que estimula e facilita a troca gratuita de exemplares. A ideia é que, ao encontrar uma obra num posto ALE ou em espaços públicos, a pessoa pegue, leia e, depois o liberte em outro local para que o processo recomece.



“Gosto muito de ler e achei interessante essa dinâmica de troca. Eu mesmo peguei três e libertei outros três, dos quais dois já voaram”, diz Samuel, que lê de literatura a livros didáticos. “Qualquer livro que traga histórias ou curiosidades é muito bom. Em biologia, por exemplo, aprendo muita coisa interessante, mesmo que não tenha estudo para exercer a teoria na prática”, afirma.



Uma das principais ferramentas do Livro para voar é a internet. No portal www.livroparavoar.com.br a pessoa que encontrou uma obra deve se cadastrar e criar um perfil, no qual é possível registrar aquelas que está lendo, as que já leu e libertou, além de trocar recados com outros participantes. O site é também canal para fazer o cadastro e convidar amigos para participar do movimento por meio do Facebook, além de disponibilizar um mapa que funciona por geolocalização e permite a visualização do caminho que o livro percorreu. Por meio de dispositivos de busca, o internauta pode verificar quais são os locais disponíveis para pegar ou deixar um livro, que são identificados com código na etiqueta.



A gerente de marketing da ALE, Rejayne Mardy, diz que mais de 300 postos em todo o país aderiram à proposta. “A ideia é pôr o livro para circular. As pessoas têm apego a ele, compram, guardam na gaveta e não passam adiante, porque esse ainda é um material caro. Se passá-lo para a frente, ou pelo menos emprestá-lo, mais pessoas terão acesso, já que ninguém vai ler um livro na gaveta. Quando a pessoa entende o sentido do movimento fica muito interessante”, afirma.

 

Fazer os livros circularem e angariar cada vez mais leitores é também o princípio do projeto Ler é viver, do Instituto Gil Nogueira. As turmas do 1º ao 5º ano do ensino fundamental de 18 escolas estaduais de Belo Horizonte atendidas pelo programa recebem, no início de cada semestre, uma caixa com 50 obras da literatura infantil, parte de um acervo de 10 mil exemplares. Segundo a presidente da instituição, Patrícia Nogueira, são escolhidos colégios cujo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é baixo. Para permanecer, as escolas devem atingir uma meta e ter diretoria e professores bem envolvidos.



No fim do semestre, há uma premiação para reconhecer os alunos que mais leram. Ela é dividida em quatro categorias: ouro (acima de 40 livros), prata (25 a 39) e bronze (de oito a 24). Antes, uma equipe de avaliadores do instituto vai à escola para o teste: o estudante tem que contar a história ou responder a perguntas, para provar que realmente leu. Durante as atividades, além dos trabalhos desenvolvidos pelos professores, há ainda a visita de contadores de histórias uma vez por semana. “Melhorando a leitura, os meninos melhoram em tudo. Todos os dias recebemos ligações de escolas pedindo a implantação do projeto. Temos uma fila de instituições à espera. Os resultados são realmente muito bons”, afirma Patrícia.



O projeto, que foi destaque do Instituto HSBC Solidariedade no ano passado, parceiro do programa, pulou de 400 para mais de 5 mil alunos atendidos desde 2007. Diretora da Escola Estadual Olímpia Rezende Pereira, no Bairro Jardim América, na Região Oeste de BH, Silvana Pires de Carvalho relata a experiência, iniciada há cinco anos. “O entusiasmo dos alunos para ler é muito maior agora. Em 2007, o aluno vencedor leu 27 livros. No último ano foram 50. Quando se cria o hábito, sempre se quer mais, esse é o grande diferencial”, diz. “As condições desse estudante serão outras, com mais capacidade de produção de texto e potencial para desenvolver a aprendizagem de forma geral.”