Em 10 anos, Leão levou 200% a mais

por André Candreva publicado 26/03/2018 19h27, última modificação 26/03/2018 19h27

Fonte: Estaminas

 

O Leão é insaciável quando o assunto é o salário do trabalhador. Levantamento feito pelo Estado de Minas mostra que a Receita Federal arrecada hoje o triplo do que apurava há 10 anos só com os rendimentos do trabalho de pessoas físicas. Em 2013, o montante que entrou nos cofres públicos relativos ao tributo somou R$ 80,9 bilhões, superando em quase 200% a receita de 2003, de R$ 27 bilhões. Neste ano, com um milhão a mais de contribuintes esperados — um total de 27 milhões de declarantes –, o Leão deve engordar.

 

A Receita atribui o aumento da arrecadação à queda do desemprego e, consequentemente, ao crescimento no número de pessoas incluídas nos critérios de obrigatoriedade do fisco para declarar o Imposto de Renda (IR). “Há um avanço da massa salarial, que contribui para que haja um aumento de contribuintes”, afirmou o secretário da Receita Federal, Carlos Alberto Barreto, durante a divulgação das regras do IR na sexta-feira passada. O valor que saiu do bolso do trabalhador na última década, no entanto, é muito maior do que o número de contribuintes que foram sendo agregados. Nesses 10 anos, a quantidade de declarantes subiu 47%.

 

A grande vilã, segundo os especialistas, é a tabela do Imposto de Renda, corrigida abaixo da inflação já há 18 anos e que acumula uma defasagem de mais de 60%. “De fato, a economia cresceu de 2003 a 2013 e tivemos uma elevação na formalização das relações de trabalho no Brasil. Temos mais assalariados, que sofrem retenção na fonte e incrementam a arrecadação. Mas a defasagem da tabela faz com que as pessoas físicas assalariadas paguem IR sobre aquilo que não é renda real. É uma renda fictícia, criada por lei, por isso a diferença nas proporções do que é arrecadado e do aumento do número de contribuintes”, comenta o tributarista e contador Miguel Silva, do Escritório Miguel Silva & Yamashita Advogados.

 

Não à toa, a Ordem dos Advogados do Brasil já anunciou que deve entrar, até o fim do mês, com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a correção da tabela pela inflação. O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco) fez um abaixo-assinado com o mesmo objetivo.

 

Em 2012, o governo aceitou aplicar a correção de 4,5% até 2015, que não cobre nem o déficit, nem a inflação dos últimos anos. “O governo tem corrigido a tabela, mas se esqueceu da inflação passada e isso colocou muito assalariado que era isento como contribuinte tributário”, pontua o presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), João Elói Olenike.

 

Para ele, o ideal seria não fixar o valor de correção e aplicar a inflação real do período, além de um percentual a mais. “Ao menos uns 2% para parcelar essa correção que o governo esqueceu no passado. Não resolve completamente, mas é plausível, pelo menos. Se o governo corrige abaixo da inflação, não há chances de uma correção acima de 60%”, completa. Além da tabela, Olenike aponta a inclusão dos microempreendedores individuais, que declaram como pessoa física. “Se essa parcela informar os bens como tributação do trabalho, colabora em muito para esse aumento também”, diz.

 

Além da correção a menor pela tabela do IR, o contador Edvar Dias Campos chama atenção para os controles cada vez mais refinados da Receita Federal. À espera da demanda dos clientes que começam a movimentar o escritório dele de Belo Horizonte no começo de março, diz que é fundamental para o contribuinte se munir de documentos. “O governo tem toda a informação nas mãos. O contribuinte tem de observar muito o que pode e deve declarar”, afirma. 

 

Retorno

 

A média que cada contribuinte paga de Imposto de Renda, somente em relação ao rendimento do trabalho, é de R$ 3.052,90. Em 2003, era de R$ 1.522,38, praticamente a metade. Isso não significa, no entanto, melhorias nos serviços oferecidos pelo governo, aos quais deveria ser dedicada a arrecadação. Estudo deste ano da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostra que, entre 18 países da América Latina analisados, o Brasil tem a segunda maior carga tributária, atrás apenas da Argentina. Os impostos representam 36,3% do Produto Interno Bruto (PIB), a soma da produção de bens e serviços do país.

 

Considerando-se os dados desse estudo, o IBPT levantou a taxa de retornos em serviços, com base no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), e concluiu que o Brasil ocupa a última posição. “Nossa carga é pesada e nosso retorno é muito ruim, para não dizer péssimo”, afirma Olenike.

 

Miguel Silva explica que uma carga tributária alta atinge principalmente os mais pobres. “É a nova classe C que alcançou a capacidade econômica para ter uma vida com conforto e, devido à carga tributária, volta a consumir na condição anterior, caso não arranje outras fontes de renda, um bico, e alcance um ganho real. Assim o país não cresce”, comenta (Colaborou Marta Vieira).