Cientistas conseguem, pela primeira vez, restaurar tecidos cardíacos mortos

por André Candreva publicado 26/03/2018 17h30, última modificação 26/03/2018 17h30

Fonte: Estado de Minas

 

Quando uma pessoa sofre um infarto, o fluxo sanguíneo não vai para o tecido do coração e, consequentemente, não manda oxigênio para as células do local. Essa obstrução, com o passar do tempo, causa a morte celular. Para substituir as estruturas destruídas, o organismo cria uma cicatriz no local. Isso faz com que o órgão aumente de tamanho – para que continue a trabalhar corretamente mesmo com uma parte “inativa” –, o que faz com que o paciente corra o risco de sofrer arritmias e insuficiência cardíaca (quando o coração não consegue bombear o sangue adequadamente). Médicos do Instituto do Coração Cedars-Sinai, nos Estados Unidos, encontraram uma possível solução para esse problema. No primeiro estudo que obteve resultados positivos ao usar terapia gênica no tratamento cardíaco, apresentado na edição on-line desta semana da revista científica Lancet, cientistas comprovaram que a inserção de células-tronco do próprio órgão no tecido danificado pode regenerar as unidades saudáveis, embora ainda não tenha a capacidade de fazer com que o músculo volte a funcionar como antes.

 


O primeiro passo da equipe de pesquisadores foi coletar tecido cardíaco do próprio paciente para multiplicar, em laboratório, células-tronco derivadas dessa estrutura saudável. Cerca de 25 milhões dessas células, então, foram reintroduzidas na área lesionada do coração da pessoa que havia sofrido o infarto (veja infografia). O autor do estudo, Eduardo Marbán, diretor do Instituto do Coração Cedars-Sinai, conta ao Estado de Minas que ele e seus colegas conseguiram mostrar que a infusão de células-tronco cardíacas pode ajudar a regenerar o músculo saudável do órgão. “Os pacientes que passaram pelo tratamento tinham cicatrizes que ocupavam cerca de 24% do coração. Em um ano, eles viram esse tecido diminuir pela metade, ocupando 12% do músculo. O grupo de controle – que foi tratado com remédios –, por sua vez, não obteve redução no tamanho da cicatriz”, detalha.

 


Para ele, foi surpreendente ter conseguido substituir uma cicatriz por tecido muscular vivo. “Essa regeneração terapêutica é o ‘Santo Graal’ do tratamento celular, mas nunca tinha sido feita antes”, comemora o pesquisador, que ressalta o fato de seu projeto ter sido o pioneiro em obter resultados positivos. “Até o nosso estudo, havia o dogma de que a fibrose (tecido de cicatriz) no coração, uma vez formada, era permanente. Não havia modo de diminuir a área danificada e fazer com que o músculo saudável voltasse a crescer”, recorda.

 


De acordo com o cardiologista Vicente Motta, a análise do hospital norte-americano mostra um grande avanço na área da cardiologia, embora os resultados ainda sejam iniciais. “É importante a busca de novos tratamentos para a recuperação de pacientes, pois um percentual significativo desses não consegue se reabilitar adequadamente e seu quadro clínico evolui para uma insuficiência cardíaca”, menciona.



A cardiologista intensivista Hélia Beatriz Fonseca, coordenadora da unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital do Coração do Brasil, salienta que, com o aumento da expectativa de vida da população, a idade média dos pacientes que ela atende aumentou, chegando à faixa etária de 80 a 90 anos. “Eles têm mais chances de sofrer um infarto e apresentar insuficiência cardíaca”, afirma. Por isso, ela considera que pesquisas como a feita por Marbán e sua equipe são importantes para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas, objetivo que nem sempre consegue-se cumprir com medicação. “Essa regeneração celular é muito animadora, haja vista que mesmo um pequeno ganho no desempenho cardíaco ajuda os pacientes a viverem mais e melhor”, diz Hélia. Ela ressalta que há uma tendência entre os pesquisadores em todo o mundo de estender o uso de células-tronco para casos de insuficiência cardíaca como um todo, incluindo os que não foram provocados pela falta de sangue e oxigênio no coração.

 


“Além disso, a descoberta de terapias alternativas com células-tronco pode retardar ou mesmo livrar as pessoas com doenças cardíacas graves da necessidade do transplante cardíaco.” Evitar transplantes de coração é uma “conquista sem preço” para a médica, que adverte sobre a carência de órgãos para doação, a fila extensa de pacientes que precisam dessa estrutura e todos os riscos que envolvem um procedimento cirúrgico altamente invasivo.

 

Os tratamentos, hoje, apenas conseguem atenuar a progressão dos problemas decorrentes do infarto. O principal modo de reduzir esses danos, atualmente, é desobstruir imediatamente a artéria que bloqueou a entrada de sangue no órgão, como explica o cardiologista Ernesto Osterne. “Isso se faz pela procura, o mais rapidamente possível, por atendimento hospitalar. O médico pode receitar medicações para dissolver o trombo — massa sólida formada por sangue coagulado — ou fazer uma angioplastia, em que desobstrui a artéria com o uso de um balão, seguido do implante de stent”, descreve. Essas medidas, segundo Hélia, servem para restaurar o fluxo sanguíneo na artéria comprometida no menor tempo possível, “a fim de salvar o máximo do tecido do miocárdio”.

 


O cardiologista Vicente Motta diz que, ao sentir dor no tórax, a pessoa deve procurar atendimento médico imediatamente. A cardiologista do Hospital do Coração do Brasil concorda, alertando que o tempo entre o indivíduo sentir a dor e chegar ao hospital é de suma importância para minimizar as sequelas do infarto.

 


O estudo, agora, passa para sua segunda fase, que consiste em aplicar o mesmo método de terapia gênica em cerca de 200 pacientes. “Queremos testar a segurança e eficácia do procedimento”, explica Marbán. Ele acrescenta que está muito empolgado com a perspectiva de generalizar o tratamento, que pretende aplicar em pacientes ainda mais graves – os quais podem ter até 40% do tecido do coração ocupado por cicatriz causada pelo infarto agudo do miocárdio. Se o método for comprovadamente eficaz, o pesquisador acredita que possa ser desenvolvido um produto comercial com propriedades gênicas até 2016.