Casos de dano ambiental já superam 2009 em 17,5%

por André Candreva publicado 26/03/2018 15h56, última modificação 26/03/2018 15h56

Os registros de infrações cometidas contra a fauna e a flora em Belo Horizonte e 40 municípios de seu entorno cresceram exponencialmente em 2010. Mesmo faltando praticamente quatro meses pela frente para o fim do ano, as ocorrências referentes aos principais tipos de dano ao meio ambiente – manutenção de animais silvestres em cativeiro, supressão de vegetação nativa, empreendimentos sem licenciamento e manutenção de atividade degradadora – já superam 2009 em 17,5%. Foram 4.025 registros de janeiro a 8 de setembro, ante 3.435 casos em todo o ano passado.

Manter animais silvestres em cativeiro e suprimir vegetação nativa lideram os tipos de danos. Somente de janeiro a 8 de setembro, a Companhia de Meio Ambiente da Polícia Militar registrou 1.925 flagrantes de pessoas que tinham em casa exemplares da fauna que, pela lei, jamais poderiam viver enjaulados. Na média, foram oito ocorrências do tipo por dia, somente na capital mineira e nos 40 municípios da região cobertos pela corporação.

 

Em todo o ano passado, a média ficou em cinco casos por dia – em um total de 1.832 casos. Segunda infração mais comum, o corte de árvores em vias urbanas ou o desmatamento de áreas em zona rural também cresceu. Passou de 1.107 ocorrências em 2009 para 1.432 registros neste ano. São quase quatro casos por dia, contra a média de três ocorrências diárias registrada em 2009.

O crescimento do número de ocorrências, explica a PM, é resultado do aperto da fiscalização exercida pela corporação que, neste ano, intensificou e direcionou as operações tanto em Belo Horizonte, em municípios da Região Metropolitana e ainda em cidades que têm na mineração sua principal fonte de renda.

A terceira infração com maior número de ocorrências é a operação de empreendimentos econômicos sem o devido licenciamento ambiental. Foram 402 registros este ano e 309 em 2009. As atitudes ou atividades poluidoras e degradadoras do meio ambiente ficaram em quarto lugar, com 290 ocorrências registradas pela PM este ano e 187, no ano passado.

 

As ocorrências de infração ambiental registradas pela PM na capital e as que se referem a danos de maior gravidade no interior são encaminhadas à Divisão Especializada de Proteção ao Meio Ambiente da Polícia Civil (Dema), que é responsável pela apuração dos casos. O departamento foi criado em dezembro do ano passado. Antes, as ocorrências eram levadas aos distritos policiais.

De acordo com o titular da divisão, delegado Afrânio Lúcio Vasconcelos, a primeira atitude tomada pela Polícia Civil é solicitar um laudo técnico no local da infração. Comprovada a infração, é instaurado o inquérito policial, para crimes de maior gravidade, cuja pena excede os dois anos, ou lavrado um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) para infrações de menor poder ofensivo.

De janeiro a agosto deste ano, a divisão recebeu da PM 470 ocorrências, chamadas de Registros de Evento de Defesa Social (Reds). Desse total, foram aceitos 429 ocorrências para se iniciar as investigações. A Dema, que começou suas atividades já com 3.092 Reds pendentes, fechou o mês de agosto com 2.960 ocorrências que aguardam averiguações. No período, a divisão lavrou 569 TCOs e instaurou 46 inquéritos, 32 eles estão ainda em andamento.

Os casos mais comuns que chegam à Dema e se transformam em inquéritos são referentes à destinação irregular de resíduos e de incêndios supostamente criminosos, cuja autoria não é conhecida, como aconteceu no Parque Nacional da Serra da Canastra, em agosto. Quatro focos criminosos foram responsáveis pela destruição de 40% da área da unidade.

O maior volume de TCO é registrado para casos criação de animais silvestres em cativeiro, principalmente pássaros, e corte de árvores em região urbana.
Como a divisão foi criada apenas no fim do ano passado, o delegado titular da Dema não dispõe de estatísticas que confirmem se houve um crescimento este ano no volume de ocorrências recebidas da PM ou no número de inquéritos instaurados e de TCOs lavrados. Mas ele avalia que a centralização da coordenação das ações de fiscalização no Estado tem tornado as operações mais eficientes e resultado num volume maior de ocorrências.

Legislação prioriza o reparo

O delegado titular da Divisão Especializada de Proteção ao Meio Ambiente (Dema), Afrânio Lúcio Vasconcelos, não tem conhecimento de condenações criminais para acusados de dano ambiental. “Isso não é comum porque a própria legislação de crimes ambientais e toda a atuação do sistema de proteção do meio ambiente priorizam o reparo do dano, por meio de sanções administrativas, civis, as multas e as indenizações”, explica.

O promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto, da Promotoria de Defesa das Bacias dos Rios das Velhas e Paraopeba, compartilha da opinião. Ele afirma que, embora a lei estabeleça sanções nas três esferas – administrativa, civil e criminal –, as demandas se resolvem, na maioria dos casos, nas duas primeiras. “Para que seja considerado crime, é preciso caracterizar o dolo ou culpa, o que é mais complexo. Já para mover uma ação civil visando uma reparação, basta que o dano seja constatado”.

Outro fator que colabora para que o autor de um dano ambiental não seja responsabilizado criminalmente são os benefícios concedidos pela lei para quem comete uma infração de menor gravidade. “Quem comete crimes de menor poder ofensivo pode ser beneficiado pela transação penal ou a suspensão condicional do processo”, cita o promotor. Ele explica que, nesses casos, uma possível pena de privação de liberdade pode ser substituída por outra, mais branda, como a obrigatoriedade de prestação de serviços à comunidade.

O promotor observa que, apesar de prever a concessão de benefícios para o réu acusado de crimes de menor gravidade, a legislação ambiental brasileira é inovadora por prever a responsabilidade penal da pessoa jurídica, além da pessoa física que foi agente do dano ambiental. “Num caso de uma mineradora que causar um dano ambiental, por exemplo, ela poderá estar sujeita à suspensão temporária ou definitiva de suas atividades. E o engenheiro ou técnico responsável pela gestão ambiental da empresa também poderá ser punido individualmente, com uma medida que determine a prestação de serviços à comunidade”, detalha.

Carlos Eduardo Ferreira Pinto lembra que a legislação brasileira é nova e, à medida em que é aplicada, vão surgindo demandas da sociedade para o seu aprimoramento. O homicídio qualificado no Brasil não era crime hediondo até 1994, quando houve uma grande mobilização para a mudança da lei.

Assim também acontecerá com a legislação ambiental. Crimes graves terão penas mais duras, e é preciso aperfeiçoar ainda a parte da lei que trata da punição do agente público que, por omissão ou ação, participa do dano, considera.

 

Fonte: Hoje em Dia