Bens tombados terão padrinhos benfeitores em BH. Programa quer que empresas e cidadãos "adotem" imóveis históricos da cidade

por André Candreva publicado 26/03/2018 16h30, última modificação 26/03/2018 16h30

Belo-horizontinos terão a chance de “adotar” bens tombados da capital por meio de um programa prestes a ser instituído pela Gerência de Patrimônio Cultural da Prefeitura. A iniciativa é o primeiro passo para a criação de um roteiro turístico interpretativo, nos moldes de países de Primeiro Mundo. Também pode garantir que um olhar diferente seja lançado sobre a arquitetura da metrópole, ao dar destaque a elementos que muitas vezes passam desapercebidos para a maioria dos moradores.

Denominado “Adote um Bem Cultural”, o novo programa será lançado em fevereiro e seguirá o modelo bem-sucedido de adoção de praças hoje partilhado por 205 entidades, empresas e cidadãos que aderiram ao “Adote o Verde”. Por meio desta iniciativa, pessoas físicas e jurídicas tornam-se responsáveis pela manutenção das praças, que é feita sob a supervisão e com o apoio da prefeitura.

 

A gerente de Patrimônio Cultural da Prefeitura, Michele Arroyo, espera que o novo programa culmine na revitalização, em curto espaço de tempo, de 30% dos cerca de 700 imóveis tombados na capital que estão em estado de conservação crítico. Para os donos das propriedades, que são beneficiados com isenção do IPTU, será uma mão na roda, pois cabe a eles manter as edificações em bom estado. Ao ter o imóvel adotado, os custos com a manutenção ficam a cargo da empresa ou da pessoa física que aderiu ao processo.

 

Já o projeto de sinalização interpretativa, segundo Arroyo, evidenciará as principais referências dos imóveis tombados, que serão inseridos em roteiros turísticos e arquitetônicos. “As placas indicativas terão informações importantes das edificações, como estilo arquitetônico, elementos decorativos, nome do arquiteto e data da construção”, adianta.

 

Para a especialista em gestão da memória, cabe ao poder público promover ações para despertar o interesse da população sobre o patrimônio histórico. “É um assunto que deve ser abordado obrigatoriamente em escolas, faculdades. É imprescindível educar o olhar das pessoas para a cidade e seu cotidiano”, avalia.

 

A presidente do Departamento de Minas Gerais do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), Cláudia Pires, é mais uma a apontar a lacuna histórica da educação patrimonial nas escolas mineiras. Para ela, um dos principais problemas é o fato de o poder público se comportar como se a capital não tivesse memória.

 

“Os prédios modernistas, por exemplo, são considerados obras novas, sem importância”, diz Cláudia Pires, ressaltando que o IAB quer reforçar o traçado moderno de BH, uma das primeiras cidades modernas planejadas no país. “O Hipercentro tem atrativos de valor turístico inestimáveis. Mas os conjuntos modernos são muito pouco lembrados”, afirma.

 

Exemplos de “tesouros” subestimados estão na principal via da cidade. Apesar da metamorfose que alterou radicalmente sua paisagem, a Avenida Afonso Pena guarda preciosas relíquias arquitetônicas. Muitas fachadas ostentam elementos de rara beleza ignorados pela maioria da população. Mesmo quando são grandiosos, como os índios do Edifício Acaiaca e os “Hércules” do prédio-sede da Prefeitura.

 

“A população só vai se importar com a história da cidade se forem desencadeadas campanhas de educação patrimonial constantes”, diz Cláudia Pires.

 

Iniciativa para preservar a memória

 

A presidente do IAB-MG, Cláudia Pires, considera o projeto anunciado de adoção de imóveis tombados pelo patrimônio histórico de Belo Horizonte, assim como a criação de um roteiro interpretativo, passos importantíssimos para o resgate da memória da cidade. Também otimista com as novas diretrizes, o síndico do Edifício Acaiaca, Hermengardo Andrade Neto, espera que o programa de adoção garanta a recuperação daquele que já foi considerado o maior e mais moderno prédio da capital, e que hoje apresenta uma série de problemas estruturais.

 

A última reforma do Acaiaca foi realizada no final da década de 1990. Hoje, os principais elementos decorativos inseridos na fachada do imóvel, as efígies de índios, apresentam rachaduras e parte do revestimento de pó de pedra vem descamando cada vez mais pela ação do tempo. O custo da reforma, segundo Hermengardo, ainda não foi avaliado e a instituição de uma taxa extra para essa finalidade, agora, seria inviável.

 

“Trata-se de um trabalho que deve ser muito bem feito por uma empresa especializada. Já havíamos pensado em firmar uma parceria com alguma grande firma e essa notícia da adoção nos deixa ainda mais otimistas”, disse o síndico. Ícone da ousada arquitetura da década de 1940, período em que Belo Horizonte começou a se verticalizar, o Acaiaca está perto de emplacar 70 anos e seu estilo arquitetônico é o art-déco.

 

Outros imóveis expressivos da Avenida Afonso Pena que podem ser revitalizados com a nova modalidade de adoção da prefeitura é o Automóvel Clube de Minas Gerais, cuja última restauração aconteceu há 25 anos. A gerente Taís Virgínia de Souza informou que o clube passa por reformas internas, mas a fachada deverá ser recuperada somente depois do primeiro semestre deste ano. Isso se forem garantidos os R$ 100 mil previstos para a empreitada. “Acreditamos que essa nova medida facilitará a captação de recursos, uma vez que o clube amargou uma fase difícil nos últimos dois anos”, disse.

Construído na década de 1920, em estilo eclético, com forte influência art-nouveau, o Automóvel Clube ostenta em sua fachada detalhes preciosos, comparados às construções parisienses mais imponentes da belle époque.


Fonte: Hoje em Dia.