Às vésperas do carnaval, proteção do patrimônio muda agenda de foliões em Minas

por André Candreva publicado 26/03/2018 17h29, última modificação 26/03/2018 17h29

Fonte: Estado de Minas

 

Mariana – Na briga do carnaval com o patrimônio, sobrou para o folião. A três dias do feriado, decisões visando proteger bens históricos em Belo Horizonte e Mariana, na Região Central do estado, lançam um clima de incerteza para quem se preparava com base na agenda oficial e dividem quem defende a preservação, representantes das prefeituras e aqueles que apenas planejam se divertir. Em BH, partiu do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) a cassação de todas as autorizações para eventos na Praça da Liberdade, Região Centro-Sul, diante da depredação registrada em show no último domingo. Na cidade histórica, primeira capital de Minas, a proibição veio da Justiça, atendendo pedido do Ministério Público.
Os moradores do Centro Histórico do município, a 115 quilômetros de BH, comemoraram na tarde dessa terça-feira, com foguetes, a decisão judicial que proibiu a folia na área tombada pela União desde 1938. A decisão do juiz da comarca, Alexsander Antenor Penna da Silva, atendeu ação proposta na segunda-feira pelo promotor Antônio Carlos de Oliveira. Além de impedir bailes populares, desfiles de escolas de samba, concentrações e shows nas praças Minas Gerais, Benevides, Gomes Freire (Jardins), de São Pedro e respectivos entornos, o juiz determinou o cancelamento dos eventos programados para o Campo do Guarany, próximo ao Centro Histórico.

 

Segundo o promotor Antônio Carlos, no Centro Histórico poderá haver apenas apresentação de pequenos blocos e bandas com instrumentos de percussão, que não gerem ameaças ao patrimônio cultural, composto de igrejas, capelas, casarões e outros monumentos dos séculos 18 e 19. “Nosso objetivo maior é zelar pela segurança do acervo colonial e também pela vida das pessoas, já que não há autorização do Corpo de Bombeiros para as festividades”, disse, lembrando que também não houve sinal verde do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Em caso de descumprimento da decisão, o município deverá arcar com multa diária de R$ 20 mil.

 

Em seu despacho, o juiz considerou que as informações contidas na ação civil pública, aliadas à proximidade das festividades e à “conveniência de se permitir que o município possa promover ações para a realização da programação prevista para o carnaval 2012 em local próprio e adequado, indicam a necessidade de uma rápida decisão judicial”.

 

O coordenador das promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico, Marcos Paulo de Souza Miranda, informa que desde o dia 25 a Prefeitura de Mariana foi orientada pelo Ministério Público estadual sobre as medidas a serem adotadas. “Se não fizeram nada, foi por incompetência e falta de seriedade”, observou. A superintendência do Iphan ressalta que não é responsável pela proibição do carnaval no Centro Histórico, mas confirma não ter recebido documentação alguma de Mariana, ao contrário de cidades de carnaval tradicional, como Ouro Preto, na Região Central, e São João del-Rei, no Campo das Vertentes.

 

Mesmo com a proibição da Justiça, a montagem da estrutura no Campo do Guarany, para onde estão programados vários shows a partir de sexta-feira, continuava normal na tarde dessa terça-feira, como muitos operários trabalhando. Na Praça de São Pedro, onde também estão previstas atrações, uma tenda já está pronta, e foi diante dela que moradores comemoraram com foguetes. Tomando café numa padaria, Renata Brandão, de 39 anos, moradora da Rua Cônego Rego, considerou excelente a decisão judicial. “A regras de proteção do Centro Histórico precisam ser seguidas. Mariana é uma cidade antiga, tem mais de 300 anos e precisa ser preservada”, afirmou.

 

Já o estudante de história Helton Lourenço Carvalho, de 21, morador do Bairro da Chácara, não vê problemas para a folia. “A cidade já está um caos, por que então não pode ser aqui?”, perguntou, enquanto batia papo com amigos na Praça Gomes Freire (Jardins). A amiga Elicene Alves Martins, de 24, estudante de música, não gostou da sentença: “E o comércio, o turismo, gente que se preparou o ano todo? Como esse povo vai ficar?”, questionou.

 

Para muitos donos de pousada, a proibição não vai mexer no caixa dos estabelecimentos. “Não estamos com reservas para o período. Acho que a chuva atrapalhou muito. Um grupo de paulistas que vem todos os anos já cancelou a estada aqui”, afirmou Antônio Diniz, gerente do Hotel Providência, um dos mais tradicionais e antigos da cidade. A dona da Pousada da Tipografia, Eliane Lima, também disse que o movimento está muito fraco e que tem apenas três apartamentos reservados.

 

A estimativa é de que o investimento global com o carnaval de Mariana, que já trocou de prefeito seis vezes nesta administração, esteja em torno de R$ 3 milhões, avalia a vereadora Aida Anacleto (PT), que na tarde dessa terça-feira participava de sessão legislativa para cassação da prefeita Terezinha Ramos. “A nossa população, que é de 53 mil pessoas, praticamente dobra no carnaval, pois muita gente que vai a Ouro Preto acaba vindo para cá. Estavam programados grandes shows para perto de igrejas como a Catedral da Sé, de São Pedro e de Nossa Senhora da Boa Morte, do século 18. Essa decisão atende um clamor da população. Nós estamos vivendo em uma cidade em estado de emergência, com muito buracos”, disse a parlamentar. A prefeitura informou, via assessoria, que vai recorrer da decisão judicial.