Gênio do Barroco
Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, é, sem dúvida, o artista colonial brasileiro mais estudado e conhecido. Entretanto, alguns pontos de sua vida são ainda obscuros, a começar por sua data de nascimento. A data de 29 de agosto de 1730, encontrada em uma certidão de óbito de Aleijadinho, conservada no arquivo da Paróquia de Antônio Dias de Ouro Preto. Baseado neste segundo documento, o artista teria falecido em 18 de novembro de 1814, com setenta e seis anos, e seu nascimento dataria, portanto, de 1738. Nasceu bastardo e escravo, uma vez que era "filho natural" do arquiteto português Manoel Francisco Lisboa e de uma de suas escravas africanas.
A mesma incerteza caracteriza o capítulo de sua formação. Provavelmente ele não teria freqüentado outra escola que a das primeira letras, e talvez algumas aulas de latim. Sua formação artística, ao que tudo indica, teve como prováveis mestres, primeiramente, o próprio pai, arquiteto de grande projeção na época, e o pintor e desenhista João Gomes Batista, que exercia as funções de abridor de cunhos da Casa de Fundição da então Vila Rica. Resta, contudo, precisarem-se as origens de formação do escultor, aspecto sem dúvida primordial em sua produção artística e que interessam diretamente ao estudo de suas obras em Congonhas. Como hipóteses desta formação temos por indicação de alguns biógrafos, nomes como de Francisco Xavier de Brito, e de José Coelho Noronha, ambos artistas entalhadores de renome no período, e que provavelmente atuaram como mestres de Aleijadinho. Não se pode deixar de mencionar, neste terreno, a influência de gravuras européias, principalmente registros de Santos de origem germânica, e com as quais as imagens do Aleijadinho apresentam afinidade estilística.
A primeira menção histórica relativa à carreira artística de Antônio Francisco Lisboa data de 1766, quando o artista recebe a importante encomenda do projeto da igreja de São Francisco de Assis em Ouro Preto.
Antes dessa data, a personalidade de Aleijadinho se definia pela plenitude da vida, com gozo de perfeita saúde, boa mesa e afinidade com as danças vulgares da época. Tudo isto, porém, aliado ao exercício de sua arte. Manoel Francisco Lisboa, pai de Aleijadinho, vem a falecer em 1767, deixando nome de grande arquiteto e deixando também alguns irmãos, que tinha como mãe do artista e outros que houvera do legítimo matrimônio.
Entre estes, o padre Félix Antônio Lisboa, que tratava Aleijadinho com grande deferência e com quem ele provavelmente apurou o latim, muito freqüente em sua obra. Em 1772 ingressa na irmandade de São José e, em 1775, teve um filho, nascido no Rio de Janeiro, batizado com o nome de Manoel Francisco Lisboa, em homenagem ao pai. A mãe do menino foi Narcisa Rodrigues da Conceição. Ao que consta, seu filho seguiu sua vocação, tornando-se também escultor. Casou-se com Joana de Araújo Corrêa, e teve um filho de nome Francisco de Paula, neto de Aleijadinho.
O ano de 1777 seria o ano que dividiria sua vida. Um ano de doenças, crucial. Até ali, suas obras refletia jovialidade, até uma certa alegria. Depois, e principalmente no final, a obra do artista é triste, amargurada e sofrida.
"Tanta preciosidade se acha depositada em um corpo enfermo que precisa ser conduzido a qualquer parte e atarem-se-lhe os ferros para poder obrar" (informação do vereador de Mariana, Joaquim José da Silva, citado por Rodrigo Ferreira Brêtas). Há recibos de despesas pelo transporte de Aleijadinho, que confirmam esta citação. Sobre as doenças do grande artista já se publicaram vários estudos, mas nenhum deles pôde ser contundente. Tancredo Furtado, num excelente estudo, chega a estas conclusões:
"A lepra nervosa é a única afecção capaz de explicar a mutilação (perda dos dedos dos pés e alguns das mãos), a deformidade (atrofia e curvamento das mãos) e a desfiguração facial, as quais lhe valeram a alcunha de Aleijadinho.
"A lepra nervosa (tipo tuberculóide da moderna classificação) é uma forma clínica não contagiosa, em que as manifestações cutâneas podem ser discretas ou mesmo ausentes. É relativamente benigna, poupa os órgãos internos e tem evolução crônica. Compreende-se assim, que Antônio Francisco Lisboa tenha vivido quase 40 anos após haver-se manifestado a doença que não o impediu de completar sua volumosa obra artística".
A obra e nome de Aleijadinho alcançam imensa fama após 1790. O artista tinha deixado Vila Rica por volta de 1788. Antes, em 1779, fora convocado a Sabará, onde trabalhou em encomendas relativas à ornamentação interna e externa da Igreja da Ordem Terceira do Carmo. Durante um período de mais de vinte anos, Aleijadinho foi requisitado sucessivamente pela maioria das Vilas coloniais mineiras que passaram a requisitar ou mesmo disputar abertamente o trabalho do artista, cuja vida transformara-se numa verdadeira roda-viva, sendo às vezes, obrigado a trabalhar em obras de duas ou mais cidades diferentes.
A produção artística deixada por Aleijadinho, confirmada por documentos de arquivos, é considerável. Recibos redigidos e assinados de seu próprio punho existem em grande número e constituem, juntamente com os lançamentos correspondentes dos livros de despesas, fonte histórica de certeza indubitável. A maior parte destes documentos encontra-se em seus locais de origem, ou seja, nos arquivos dos templos onde Aleijadinho trabalhou.
São inexistentes estudos e pesquisas aprofundados sobre o "atelier" do Aleijadinho, ao qual, sem dúvida, pertence boa parte das obras que são atribuídas ao artista. Os "oficiais" do "atelier" são mencionados em grande número de documentos e estiveram com seu mestre, na maioria das obras realizadas por ele. Esses oficiais auxiliavam Aleijadinho na execução de obras secundárias, no acabamento, ou até mesmo na confecção de peças inteiras como nos Passos de Congonhas. É provável que esses artesões tenham executado obras por conta própria mesmo durante o período de vida de Aleijadinho e, certamente, após sua morte também.
Sob esse aspecto, o conjunto de Congonhas oferece material abundante para pesquisa. A amplitude da obra realizada em Congonhas, em apenas nove anos, exigiu a cooperação intensa de auxiliares, mais do que em qualquer outra situação. Já no final de sua vida, gravemente mutilado pela enfermidade, Aleijadinho não teria deixado tão valioso conjunto de obras, sem a colaboração de seus artesões.
Em 1796, no apogeu de uma vitoriosa carreira artística, e considerado pelo próprios contemporâneos como superior a todos outros artistas de seu tempo, Aleijadinho inicia em Congonhas o mais importante ciclo de sua arte. Em menos de dez anos cria 66 figuras esculpidas em cedro, compondo os passos da paixão de Cristo e em pedra-sabão, esculpe os 12 profetas, deixando em Congonhas o maior conjunto estatutário barroco do mundo.